jueves, 20 de enero de 2011

Genet en GATO VADIO, Oporto, Portugal

Jean Genet – À Margem da margem
Genet. Genet não foi criado. Quando nasceu, nasceu sacrificado (mesmo se ao nascer, todos nascem sacrificados). E depois vomitou o seu próprio ser. Suicidado da sociedade? Nem esse rótulo auto-complacente aceitaria. Faria uma figa.
Quem era, então, Genet? Passaram cem anos do seu nascimento, em Dezembro passado, e a Gato Vadio não correrá o risco de incensar o artista, o escritor, como fez o ministério da Cultura francês, tão pressuroso em conceder-lhe as honrarias da pompa fúnebre, esse negócio que trata como escumalha a transgressão, ao mesmo tempo que rejeitam o fulcro de tudo aquilo que a vida de Genet testemunhou: se nos condenam à existência, só a liberdade nos livrará dela. Mas, “não o compreendamos demasiado depressa”, como ele diria…
1910-1986
O pederasta, o ladrão, o mendigo, o enjeitado, o encarcerado, o filho duma prostituta e de alguém desconhecido, os reformatórios, as prisões, os amantes, os escândalos…
A grande cabeça pensadora da época (às vezes, com alguma vesguice…), Sartre, escreveu uma biografia de 500 páginas. Preferimos o olhar de Rainer Fassbinder, para seguirmos o rastro ao mundo de Genet.
Durante a última semana, por via do Genet, as conversas tresmalharam-se e foram parar ao caso do assassinato de Carlos Castro (ah… Voilà a imprevisibilidade da gataria… a fuga à mancha oficial que nos colam…).
A facilidade de viver na mentira – Contra a homofobia, a castração do psicologismo e a telenovela geral à volta do assassinato de Carlos Castro
Debate
Não pretendemos ater-nos aos factos da morte e mutilação de uma figura pública às mãos de um jovem de 21 anos. Nem sequer criticar a rábula televisiva e mediática que ateou a fronha homofóbica de uma larga portugalidade. A questão não foi apenas reduzida ao ângulo doméstico da TV, mas também ao estrabismo da miséria do freudianismo.
De um lado, no necrotério televisivo, dissecar a excepção, o desvio, o espampanante, o simbólico, para ocultar a norma, esquecer o padrão, esconder a violência da normalização-padronização, desprezar o real. Do outro, nesse divã que já não tem bolor mas cogumelos, reduzir a questão ao quarto de hotel, ao conto de fadas de Freud, a mamã o papá a vagina ou o anûs o traumazinho burguês e a superação: ora cortando um pénis, ora perfurando uma vagina.
[E tirem daqui a (homos)sexualidade. Se fosse a Vera Lagoa que estivesse a jeito do jovem Renato Seabra, ficava sem os ovários.]
O que acreditamos que vale a pena trazer a lume é a violência do espectáculo – o espectáculo não é aquilo que transforma o corpo em mercadoria, é aquilo onde o imaginário sobre o corpo já não se pensa além da mercadoria – em que a vida de crianças e adolescentes se converteu. A violência de uma ordem de valores que instila a competição, o individualismo, a selvajaria quotidiana, enfim, o sucesso da razão cínica. Transaccionar a vida em nome dos sonhos da Endemol.
Daí que o rapaz que assassinou Carlos Castro seja filho do Sócrates actual (não há sequer laivo a ironias), mais do que do outro, o filósofo-tutor-tutu-iniciante. As regras do jogo cínico que imperam no dia-a-dia de quem cresce, não só onde são mais visíveis e drásticas como nas escolas de futebol e nas escolas do show-bizz, servem a escalada cultural dos tempos que correm.
Ignorar o processo social, a fabricação das relações de verdade e de poder que formam a subjectividade da geração re-nato/re-nata, revela também o esforço de enaltecer a terapia – o desejo mediatizado de resolver o mundo com terapia. Porque o terapeuta é o mago, o mágico, o “feiticista”, aquele que mistifica. Aquele a quem não interessa expor a “verdade” das causas e da origem, a quem não interessa mostrar o tudo que ficou na manga. E a mistificação, o truque, é a base sólida onde qualquer poder se preserva. Com ela encobre o quotidiano da clínica que administra o espectáculo, o cenário, as regras do jogo, a metadona e a dona-meta, a crise, o défice, o terrorismo, a estabilidade… para castrar a vida e impor o sol apodrecido.
Uma palavra ainda sobre o labor de Carlos Castro. O mundo dele, imagino, seria muito diferente do universo dos vadios. E, no entanto, intuímos que escrevia e acreditava no que escrevia. Entre aquilo que defendia e praticava, julgamos que não existia esse hiato profundo em que o jornalismo dito de referência se perde, vitimando essa classe bem-pensante a não se interrogar porque escreve nem a questionar o lugar que ocupa quando escreve. Essa barricada mole que é o jornalismo de massas, ainda vendida como imparcial, neutral, território-neutro, suíça-de-redacção, é um espelho bem real da espectacularização do mundo: a fabricação do nada se passa.
Na noite de quinta, entre os vários caminhos da noite-noite, Genet e a transgressão contra os valores da ordem dominante; na noite de sexta, a transgressão em nome da ordem de valores dominantes

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