Quantos antroidos,
quantas quaresmas,
quantas máscaras,
quantos jejuns.
Disfarçar-se para despir-se,
mudar de carantonha,
mudar de pele.
Renovar-se constantemente.
Mudar de vida.
Deitar fora a careta,
deitar fora o vestido.
Onte Pierrot,
hoje Rei,
amanhá cigano;
onte Sam Francisco,
hoje Santo Tomás,
amanhá Sam Ignácio.
Hábito franciscano,
fato dominico,
farda jesuítica.
O hábito fai o monge
(e o frade).
Mudas de disfarce,
mudas de hábito,
mudas de pele,
mudas de sistema nervoso,
mudas de sistema ósseo,
mudas de corpo,
mudas de alma,
mudas de home,
mudas de ser.
Aquele a quem a sua avó
disfarçou de coelho,
morreu há muitos anos.
Nom é mesmo
que aquele a quem a sua noiva
disfarçou de califa
e que tamém morreu.
Aquele que dialogou com os paxarinhos,
como Santo António de Pádua,
morreu há muitos anos;
e assi mesmo
aquel que pregou como Bossuet.
Vestes-te e despes-te mil vezes.
Foste disfarçado de Rei,
com coroa de espinhas,
ceptro de cana e manto de farrapos,
como o Filho de Deus;
foste esfolado
como Sam Bartolomeu.
Só persistiu o teu nome.
Todo mudou em ti, foste mil homes.
Morreste muitas vezes,
muitas vezes nasceste.
Nom foste nunca o mesmo.
O teu nome, marco
de mil retratos,
de outros tantos modelos.
Adám, ou Pedro, ou Joám.
Alvéolo sonoro
ou gráfico
de substâncias humans diferentes.
E a poder de anuais
joldas de carnaval
e inédias de quaresma,
mesmo foste talvez anjo ou diabo,
animal e deus,
pluralidade humana
que os limites sobarda
a força de nascer e de morrer.
RICARDO CARVALHO CALERO
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