sábado, 19 de septiembre de 2020

Quantos antroidos, Ricardo Carvalho Calero

 


Quantos antroidos,

quantas quaresmas,

quantas máscaras,

quantos jejuns.

Disfarçar-se para despir-se,

mudar de carantonha,

mudar de pele.

Renovar-se constantemente.

Mudar de vida.

Deitar fora a careta,

deitar fora o vestido.

Onte Pierrot,

hoje Rei,

amanhá cigano;

onte Sam Francisco,

hoje Santo Tomás,

amanhá Sam Ignácio.

Hábito franciscano,

fato dominico,

farda jesuítica.

O hábito fai o monge

(e o frade).

Mudas de disfarce,

mudas de hábito,

mudas de pele,

mudas de sistema nervoso,

mudas de sistema ósseo,

mudas de corpo,

mudas de alma,

mudas de home,

mudas de ser.

Aquele a quem a sua avó

disfarçou de coelho,

morreu há muitos anos.

Nom é mesmo

que aquele a quem a sua noiva

disfarçou de califa

e que tamém morreu.

Aquele que dialogou com os paxarinhos,

como Santo António de Pádua,

morreu há muitos anos;

e assi mesmo

aquel que pregou como Bossuet.

Vestes-te e despes-te mil vezes.

Foste disfarçado de Rei,

com coroa de espinhas,

ceptro de cana e manto de farrapos,

como o Filho de Deus;

foste esfolado

como Sam Bartolomeu.

Só persistiu o teu nome.

Todo mudou em ti, foste mil homes.

Morreste muitas vezes,

muitas vezes nasceste.

Nom foste nunca o mesmo.

O teu nome, marco

de mil retratos,

de outros tantos modelos.

Adám, ou Pedro, ou Joám.

Alvéolo sonoro

ou gráfico

de substâncias humans diferentes.

E a poder de anuais

joldas de carnaval

e inédias de quaresma,

mesmo foste talvez anjo ou diabo,

animal e deus,

pluralidade humana

que os limites sobarda

a força de nascer e de morrer.



RICARDO CARVALHO CALERO

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